MV Norte & Nordeste 32
39 ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE PLANEJAMENTO E ESTRATÉGIA Em março de 1982, em uma das etapas do Rally de Portugal na região de Arganil, o dia amanheceu com forte neblina. Após discussões acaloradas sobre os pe- rigos de largar naquelas condições, a francesa Michèle Mouton, considerada a maior piloto feminina de todos os tempos, venceu, imprimindo velocidades altíssimas por estradas sinuosas entre as Serra da Lousã e Serra do Açor, com uma vantagem de 13 minutos sobre a dupla segunda colocada. Qual foi o segredo de Michèle? A chave foi sua navegadora, Fabrizia Pons, que fez o ma- peamento minucioso e perfeito de todo percurso dias antes do início da disputa. Descrever o roteiro no papel e passar as coordenadas para a piloto foi fundamental para Michèle acelerar seu Audi a mais de 150 km/h. De forma resumida, tudo o que aconteceu antes da largada foi planejamento. E o fato de Michèle pilotar “as cegas”, correr riscos mais do que deveria e confiar nas anota- ções, foi a estratégia. Agora pense na Guerra de Troia, escrita pelo poeta Homero, no livro Ilíada, cerca de 1.300 a.C. Ela escon- de uma pegadinha. Levar Helena de volta para Grécia, de onde foi raptada pelo príncipe de Troia, era difícil porque a cidade era cercada por uma imensa muralha. O soldado grego Odisseu, sugeriu enviar um cavalo de madeira de presente no qual, no seu interior, colocou soldados que, à noite, saíram para atacar. Se respondeu que investir na construção de um cavalo longe do cam- po de visão dos troianos é a estratégia, errou. É planeja- mento. Colocar soldados gregos dentro do cavalo é que é a estratégia. ESTRATÉGIA SALVA EMPRESAS? Contratado por um investidor para fazer o diagnóstico de uma empresa familiar que estava à venda, o consul- tor Martin Schulz identificou um número alto de prio- ridades, transformou-as em objetivos e na sequência desenhou o planejamento estratégico com base nas dificuldades no momento (março de 2021). “Tudo que aconselhava, era praticado porque a ideia foi ‘comprada’ pelo dono”, lembra Martin. Junto com o planejamento, ele mudou o sistema da empresa. “Me tornei o médico do negócio, indicando os remédios necessários. Se a aposta desse errado, havia condições para fazer ajustes instantaneamente e não daqui a dois anos. Mas acertamos, porque tínhamos informações confiáveis na mão. Recompus toda a parte comercial e com os recursos que começaram a entrar foi possível movimentar a empresa”, aponta Martin. Aí, aconteceu uma virada. O proprietário o procurou para fazer uma oferta em tom de provocação, nos seguintes termos: já que você encontrou a solução para minha empresa, por que não termina de arrumá-la? “Respondi que sim, mas alertei que seria um trabalho de longo prazo, porque influen- ciaria a vida de muitas pessoas, incluindo diretores e empregados. Hoje, essa empresa não está mais a ven- da”, ele conta. Baseado no conhecimento de quase três décadas do setor e de serviços prestados para empresas de porte, como Todeschini, Martin é categórico ao dizer que planejamento estratégico passa longe dos fabrican- tes de móveis. “As mudanças constantes que acontecem no mercado o pressionam a tomar decisões, e ele acaba desistindo de fazer planejamento. ‘Tenho tudo na cabe- ça’ justifica, valorizando sua intuição”, diz. “Nessa hora a empresa entra no modo sobrevivência”. ESPÍRITO DE SABOTAGEM Planejamento é o conjunto de ideias e princípios que resguardam uma empresa. A partir dessas definições é que se determinam os objetivos, estratégias, planos e indicadores, utilizando linguagem clara. Daí para frente, o segredo é a preparação do terreno, a mobilização do público interno e assegurar recursos, tudo, acontecendo na mesma toada. É isso que faz o planejamento aconte- cer. Sem essa coesão de esforços tudo terá sido em vão. “Já acompanhei casos de diretores que iniciaram o pro- cesso e no meio do caminho, simplesmente, sabotaram por medo de perder poder”, ilustra o consultor. Acontece com frequência em empresas em processo de suces- são familiar, complementa. “Outras vezes os líderes se questionam: ‘bem, ajudei a construir uma estratégia, mas como vou resguardar os meus interesses pessoais nesse crescimento’. Isso é um problema sério”, diz Schulz.
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